Na semana passada, uma jovem negra de 24 anos, Kathlen Romeu, grávida, recém-formada em design de interiores, foi morta por tiros durante uma operação policial na comunidade Lins de Vasconcelos, zona Norte do Rio de Janeiro. Ela ia com a avó visitar uma amiga.
Kathlen trabalhava em uma loja da grife Farm na zona Sul da cidade. A Farm, por sua vez, é uma marca do Grupo SOMA que abriu capital há um ano, quando captou R$ 1,8 bilhão. Além da Farm, o grupo ainda é dono das marcas Animale, Fábula e Maria Filó. Em abril, a varejista adquiriu a Cia. Hering por R$ 5,1 bilhões e deu início à entrada do grupo ao segmento de moda a preços mais baixos.
Tudo foi muito rápido. Assim que a morte da jovem foi anunciada, a loja resolveu criar um código de vendas utilizando o nome de Kathlen com o intuito de doar um percentual para a família da vítima. “A partir de hoje, toda a venda feita no código de Kathlen – E957 – terá sua comissão revertida em apoio para sua família. Reforçando que nós também vamos apoiá-la de forma independente e paralela”, dizia o texto da Farm.
Vários fatos chamam a atenção em relação ao comportamento das pessoas neste contexto. Em primeiro lugar, a Farm tenta se aproveitar da morte de uma jovem funcionária, querendo vender mais a qualquer custo, sem se importar com as consequências ou as perdas reais que ocorreram nesta esta tragédia. Afinal, que tipo de comprometimento tem esta empresa com seus colaboradores?
Outro fato que considero chocante é que muitas das pessoas que comentaram negativamente a respeito da ação da marca sugeriam que a loja poderia ter dito que doaria o lucro de todas as vendas para a família da Kathlen – o que em si ainda seria um ato que endossa este comportamento promocional. Os comentários focaram mais no fato de ser um percentual da comissão, do que na promoção em si. Isso demonstra o grau de distorção em que nos encontramos hoje no Brasil.
Portanto, a partir do momento em que a marca “reconhece” seu erro e volta atrás, informando que irá “reverter integralmente” 100% das vendas geradas através do código naquele dia para a família de Kathlen e estabelece, novamente “que vamos continuar dando todo o apoio necessário de maneira independente, como fizemos desde o primeiro momento em que recebemos a notícia“, a marca continua na mesma toada. Ou seja, a empresa não aprendeu nada com o ocorrido e continuou a promover vendas (por um dia só! Aproveite!) em prol da família da Kathlen.
Atitudes como essa merecem o repúdio total e absoluto da parte de todos. Empresas sérias que cuidam de seus colaboradores não precisam cavalgar em cima de vítimas de violência e trauma para vender mais. Cumprem com seus compromissos e zelam pela qualidade de vida de seus colaboradores e familiares sem precisar fazer publicidade em cima disto pois este é o seu dever. E, se quiserem avançar mais por uma sociedade mais justa, se engajam na multitude de lutas empreendidas por entidades sérias através de apoios — sem filantropia — às vezes anônimos, para que o mundo em que atuam seja mais justo e consiga lutar por uma melhor qualidade de vida. Marcas sérias não cavalgam em cima de tragédias. Marcas sérias adotam causas de fato. Quando apoiam causas é por longos períodos de tempo e envolvem toda a organização na formação de uma cultura que passa a ser parte do DNA dos colaboradores e, por consequência, da marca. Se durar, a Farm tem muito a aprender ainda.
Autor: Sandra Sinicco é CEO do GrupoCASA Brasil e UK e fundadora da LatamPR
**Crédito da imagem no topo: Eugenesergeev/iStock